quinta-feira, janeiro 31, 2008

Seu Abílio

Seu Abílio era um homem desses que não se vê mais hoje em dia, um tipo tão raro nos anos 2000 quanto seu nome. Morreu não sei nem mais quanto tempo faz; mais de dez anos, menos de 15, creio. Eu era bem novo quando isso aconteceu e esqueci da data de sua partida, mais por não querer lembrar disso do que por displicência infantil.

O que lembro e sei é que gostava muito dele. Já o conheci velho, claro, como há de ser com todo avô. Era magro e alto, já ficando encurvado pela idade. Tinha cabelos brancos bem finos, que usava de lado. Usava uma capa preta e fumava bastante. Inesquecível aquela figura alta de sobretudo preto com o cigarro acesso naquela escuridão de cidade do interior.

Era barbeiro, mas sua barba parecia sempre estar por fazer. O beijo do avô sempre me arranhava a face, coisa que eu não gostava muito. Mas eu logo esquecia daquele ardor chato no rosto quando ele me contava uma piada. Tinha sempre uma na ponta da língua, coisa incrível, nunca se repetia.

Aliás, Abílio morreu contando uma piada que agora me esqueci. Era uma daquelas clássicas sobre a chegada de alguém no céu. E me deu uma saudade dele agora de noite, enquanto brinco com sua antiga bengala.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Pra não esquecer

Pelo menos uma vez por semana encontro a vizinha do andar de baixo no térreo do prédio. “Nunca mais lhe vi”, me diz a senhorinha, sempre, mesmo que tenha me visto no dia anterior. Ela tem Alzheimer.

Às vezes ela pergunta do trabalho no jornal (que não tenho mais) e de algumas outras coisas as quais também não mais tenho. Uma vez expliquei superficialmente que o tudo sobre o qual ela perguntava tinha virado nada. Tempos difíceis.

Mas não adianta, ela não lembra das minhas observações e volta a me perguntar. E a dizer que nunca mais me viu. Entro no clima e digo “é verdade, tenho trabalhado muito, por isso quase não nos vemos” ou “sim, está tudo bem”.

Causava certo desconforto esses diálogos. Mas pensando bem agora, ela tem memória das melhores coisas que eu vivia até há pouco. Qual a razão de tentar explicar o hoje que anda tão insosso?Era bom. Melhor deixar ela com essas lembranças sobre mim, muito mais interessantes.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Folia maldita

Pessoa atípica (e antipática também) que sou, nunca gostei de carnaval, cerveja e futebol, grandes preferências nacionais. Não sei bem se realmente sou pouco afeito a essas coisas ou se o abuso surgiu de uma tentativa de querer ser alguém diferente; se simula tanta coisa no decorrer do tempo que às vezes torna-se difícil saber o que é ou não da nossa natureza.

Mas acho que não gosto mesmo do carnaval, embora nos últimos anos venha empreendendo esforços para ser mais sociável no período. É difícil.

Socializar-se no carnaval não significa apenas sair de casa, inclui atitudes como:

- achar divertido aquele roça-roça em ladeiras lotadas, num sol escaldante.
- esboçar sorrisos para as pessoas.
- não me chatear com o cara que inevitavelmente vai derramar cerveja em mim.
- desviar das periguetes que se jogam.
- relevar o fedor de urina nas ruas.
- não linchar o guri que joga água suja e gelada na minha cabeça.
- escutar Vassourinhas a cada esquina.
- aturar as apalpadas e cutucões (sobretudo as praticadas por seres do gênero masculino).
- suportar os saradões descamisados (e, quase sempre, suados).
- etc.

Carnaval é mais uma prova da capacidade do humano superar as adversidades, mais especificamente, sua capacidade de se divertir com elas. Continua não me parecendo um momento propício para a diversão. Vai entender.

terça-feira, janeiro 15, 2008

Recesso

O autor encontra-se de férias no balneário de Angra dos Reis, como todo emergente de novela das oito.