O que fazer com uma carta que não vai ser entregue ao seu destinatário? Reparei nas correspondências escritas por mim e nunca enviadas. São poucas, nada absurdo, mas a simples existência delas me causa desconforto. Pedidos de desculpas, queixas, declarações apaixonadas, comentários cretinos ou dramas, todos intencionalmente extraviados.
Escrever as cartas traz alívio, sem dúvida. Mas a eficácia desse extravasamento fica comprometida quando os recados não chegam ao seu destino. Não adianta de muita coisa dizer algo que não será ouvido. Ou lido, no caso.
Hoje, revendo algumas das cartas, fico na dúvida se foi realmente melhor nunca entregá-las. Como consolo, tenho plena convicção de que outras realmente tiveram melhor destino ficando por aqui mesmo.
Estranhas lembranças estas cartas. E olha que tem coisa recente, mas parece pertencer a passado longínquo. Ou talvez eu apenas queira fazer com que pareçam coisas ultrapassadas.
Bem, como sei que não produzi nada tão interessante quanto Carta ao Pai, de Franz Kafka, decidi me livrar destes papéis. Quer dizer, deixei duas guardadas. Quem sabe ainda dá tempo e, mais importante, ainda vale a pena?